Trabalhar com mães e bebês é uma grande alegria. Fico muito feliz e com a energia renovada quando recebo mensagens de algumas pessoas que me dão notícias sobre as novidades do bebê e seus progressos na amamentação. Lembro quando tive meus bebês e vibro quando sei dessa experiência com uma nova mãe. O nascimento de um bebê faz nascer uma mãe, um pai, avós, enfim, uma família, que pode ser nova ou estar aumentando (sim, com um irmãozinho ou irmãzinha). No entanto, em alguns momentos, a alegria dá espaço para outros sentimentos, nem sempre bem vistos por quem sente e às vezes mal compreendidos por quem está ao redor.
Só não sabia que esses sentimentos podiam ser vividos em relação a um cachorrinho, ou talvez eu tenha esquecido dessa emoção que me remete à minha própria infância.
Soube disso graças a nossa nova filhote, Lisa. Uma pequena cachorrinha branca, muito manhosa e cheia de amor para dar.
Lisa chegou sem saber direito aonde fazer suas necessidades, ganhou um lugar especial e depositamos a esperança que ela aprendesse logo que ali era seu banheiro. Também ganhou o lugar para dormir e se alimentar. Até aí tudo bem. Fomos percebendo que não sabíamos como resolver algumas questões. Como orientadora de mães e pais, não perdi tempo e fui aprender com uma família que tem cachorros.
Soube que um filhote dorme melhor perto de alguém e que vai chorar de madrugada nos primeiros dias, que precisa paciência para aprender sobre hábitos de banheiro, que não fica sozinho em casa até se acostumar que as pessoas saem e voltam. Mas, de quem estamos falando? A vizinha falava e eu pensava que estava escutando sobre um bebê. Não pretendo humanizar a cachorrinha, nem penso em tratá-la como uma criança, mas não pude deixar de achar engraçado as semelhanças.
O que vi nos primeiros dias dessa filhotinha me fez pensar um bocado sobre nascimentos. Aqui em casa os meninos ficaram como os principais cuidadores da Lisa. Estavam animados para serem reconhecidos por ela e fizeram de tudo para mantê-la bem feliz. Deram água, alimentaram, cuidaram dos “acidentes” fora do “banheiro” e ainda brincavam com ela. E vieram as primeiras alegrias:
“Mãe, boa notícia: ela comeu"! Quem não fica feliz quando seu filhote, ops, seu filho come direitinho?
À noite o trabalho era maior. A cachorrinha ainda estava se adaptando à nova casa e acordava os meninos de madrugada aos choramingos ou querendo brincar. A paciência do mais velho, que era quem conseguia acordar, para acalmar a cachorrinha e depois voltar a dormir me lembrava um pai cansado, mas consciente de sua responsabilidade. De manhã vinha o relato da noite. Eu só podia comentar “ Filhote dá trabalho, né filho"?
Outro dia tentaram, em vão, escovar os dentes dela. Nada, não deixou. E veio a queixa :
“ Mãe, ela não deixou escovar os dentes". Só pude rir, lembrando como às vezes é difícil convencer as crianças dessa rotina tão importante.
Aos poucos a adaptação dela foi sendo feita, já podia ficar sozinha em casa, já acertava na maioria das vezes o local do banheiro e outras coisas começaram a acontecer. Os meninos nem sempre estavam com vontade de brincar com Lisa, e ela queria e requisitava. Outras vezes estavam sem vontade de cuidar dela e achavam muito chato tudo isso. Nessas horas não entrava recriminação do tipo “vocês quiseram, agora cuidem”, que seria o natural de pensar, e acho mesmo que em outra época teria dito isso. Mas agora, vendo tantos nascimentos de famílias, falei diferente. Expliquei que de fato há dias “chatos”, que às vezes a cachorrinha pode despertar irritação, mas que vai passar e daqui a pouco estarão felizes de novo com ela. Simples assim. Quando ela morde, e morde mesmo, digo para serem firmes, mas sem bater (imaginem que ela tem menos de 2 kg, que estrago seria). Ficam brabos com ela, mas logo vão olhar se está tudo bem. Conhecem isso? E nesses momentos só nos resta oferecer ajuda, aliviar os cuidados, entender que em alguns momentos precisam de uma folga.
Fui escrevendo sobre a Lisa e cada vez mais penso nas semelhanças com uma adaptação de uma família ao bebê. Desculpem pela comparação, longe de imaginar que um filho é como um filhote de cachorrinho, mas o que me fez falar dessa história foi ver nascer em dois meninos o sentido de cuidado, responsabilidade, amor, irritação, preocupação e às vezes de “saco cheio”, como pode acontecer com um adulto quando tem seu bebê (nas suas devidas proporções, ok?). Tem sido uma experiência muito bacana de participar, de vê-los crescendo com essa vinda de um filhote. Não sei se eles se lembrarão disso tudo quando forem pais de verdade e não tenho como garantir que isso os ajudará a serem melhores pais. Mas ao menos já têm uma ideia das alegrias, do lado “B” - dos deveres - e saber que todas as situações têm vários ângulos e sentimentos. E também que de todas as dificuldades e responsabilidades, essa é a que traz mais alegrias.
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